O que é bom no pensamento é que ele não precisa se ater ao contexto que nos envolve, tudo aquilo que nos limita.
Agora mesmo estava eu me deliciando com as maravilhas propiciadas pela transcendência metafísica do livre pensamento.
É, detesto rótulos, mas às vezes, sem qualquer veleidade, gosto de me ver como um livre pensador.
Mas que diabos é isso? Quer saber? É algo instável, assim como tudo que envolve o radical ‘livre’, mas que, como os próprios ‘radicais livres’, tem um ‘quê’ de pharmakon, yin e yang, cicuta e seu antídoto, num mesmo espaço e tempo, em doses diferentes. Contudo, o ‘radical livre’ está sempre receptivo, sempre aberto a novos incrementos e, de certo modo, podemos dizer que está sempre disposto a compartilhar as benesses desta liberdade (que pode aprisionar).
Nem se venha dizer que livre não é radical; tem de ser muito radical para ser livre!
Pois bem, dizia eu sobre o pensamento que, bonito ou não, é livre, é de cada um e ninguém tasca!
Que chato seria se não fôssemos dotados dessa capacidade abstrativa, às vezes inventiva, às vezes ilusória, mas nem por isso menos válida (louvável até, diria eu). É justamente graças ao livre pensamento que eu consigo imaginar tal possibilidade estapafúrdia.
Num mundo tão incisivo como o de hoje, muitas vezes o único lugar onde podemos gozar da tão preciosa privacidade não é outro senão entre nossos ouvidos e atrás de nossos olhos.
Neste lugar tudo é possível! Lá todos fazem de si o que bem entendem...
Muitos se tornam altruístas, compreensivos, filantropos; outros voltam aos tempos de Roma, tornam-se austeros e se imaginam com o epíteto de, digamos, ‘o impiedoso’, mas esses estão por fora, compõem a minoria.
Mas um dia me disseram que ser minoria é bom. Daí fiquei pensando, pensando, pensando.... e pensei: ‘não é que tem seu fundo de verdade’?!
Bom preciso esquematizar, senão perco o pensamento: 1º Ser igual a todo mundo é terrível. Quero distância dessa mornidão que reside nas coisas comuns, essa leniência que impera na mediocridade, não no sentido pejorativo, logicamente, mas como expressão de tudo aquilo que é dotado de placidez mediana, que não surpreende, do que é (Deus me livre!) ordinário. De ordinário só gosto do 1º.
Sabe, até mesmo os ventos no meridiano que corta o plano equatorial são os mais brandos. Velejar lá? Impossível.
Pois bem, o legal é justamente ser diferente, todos nós gostamos de nos sentir especial e, com certeza, nascemos com todas as ‘armas’ para sermos, pois, por incrível que pareça, já somos. Só nos falta a consciência disso. Não é questão de competição, ninguém tem que buscar ser mais especial. É como nosso pretérito impossível, opa, pretérito-mais-que-perfeito. Isso existe? Ou é perfeito ou não é, e ponto final, ou “.”, não sei...
Então... deixe-me ver... recapitulando: é ruim ser comum; é legal ser especial, todos são especiais, então ninguém é comum porque são todos especiais, mas se são todos especiais, todos têm isso em comum... Vixe, ou eu aprendi errado ou essa tal de maiêutica socrática não leva a nada. Mas parecia tão fácil nos relatos de Platão... minha cabeça está um rolo... pra que eu fui faltar à aula de desatar nós no pré?
Acho que é porque meu córtex pré-frontal sucumbiu perante o meu sistema límbico; eu não conhecia a tal da gratificação postergada. Trocando em miúdos, meu ID sempre foi levado pra caramba, não se contenta com pulsões, levanta verdadeiros motins!
Mas, et voilà! Vamos à solução.
Todos são especiais, nisso somos todos comuns, mas a especialidade ou as especialidades de cada indivíduo são fatores determinantes, pois o diferem da maioria.
Porém, muitos abrem mão de suas especialidades, de seus fatores determinantes, e formam grupos que, num primeiro momento, refletem os vários valores especiais, mas que com o tempo externam uma fúnebre interpretação do ser social, tornam-se lugar comum, holocausto da especialidade.
Há o esquecimento da beleza da diferença, do deslumbre do incomum. Aos poucos criam-se, aos montes, comunidades tolhidas pela ideologia do comum, que muitas vezes defendem a valorização das individualidades, mas sempre trazendo como bandeira, como valor supremo, o que a eles é comum.
Agora estou em dúvida, é isso possível? Sei não.
Mas que é engraçado é. As minorias especiais aglomeram-se em comunidades, suprimem as múltiplas especialidades e se tornam maiorias, o que as torna comuns, para defender as especialidades individuais que não mais possuem. Coisa estranha essa tal democracia!
No fim das contas, os comuns acabam por defender ‘premissas comuns’, com as quais nenhum deles se identifica mais, pois não se lhe transluz nessas premissas comuns a expressão de sua já extinta especialidade e, não raro, sua jovialidade, seu ‘libertas que sera tamen’, seu ‘hay que endurecer’, seu imperativo categórico, sua ideologia de vida.
É por isso que o diferente é o belo. O diferente sabe que é diferente porque existe o comum, se não fosse o comum, todo mundo seria diferente, o que os tornaria comuns, fazendo deles maioria... Ih, de novo não! Desta vez não vou deixar meu pensamento me enrolar. Chega!
N. 2: Ufa! A propósito, já disse que de ordinário só gosto do 1º? Deixa pra lá...
Número Dois: Eu falava da minoria, para isso tive que falar primeiramente da maioria, pois este ainda é um texto democrático. Nem me venham falar de eqüidade, ou que a democracia é a tirania da maioria, é tudo uma questão de ponto de vista.
Posso tratar da maioria primeiro por julgá-la mais importante, ou então, partindo de outro enfoque, posso ver a maioria como assunto introdutório menos importante, uma espécie de degrau para o número 2. Puxa, como estou divagando. É normal o som de tantas vozes no pensamento? Algumas me parecem, até, que estão com o dedo em riste... punho cerrado... polegar abaixado...
Então, onde é que eu estava mesmo? Ah, na minoria.
Então, o legal da minoria é que aparenta ser o sonho de consumo da maioria. Os comunistas que me desculpem, mas isso ocorre até mesmo nessa utopia que vocês pregam.
Por outro lado, já me falaram que nem sempre ser minoria é bom, como é o caso dos analfabetos. Pois é, nem sei se eles são minoria mais, têm como companheiro até o presidente. É, por aqui a coisa anda mal.
Mas e na China, o país da maioria está melhor? Você queria viver na China? Não?
Já sei, lá o problema é a minoria que impõe um regime social desumano à maioria.
Mas a metade dos habitantes do planeta não consegue fazer nada contra essa minoria?
Muito bem, me sinto completamente à vontade para mudar o foco do texto porque, na verdade, esse texto não tem foco; é sobre pensamento e ele, o pensamento, é ilimitado; é dinâmico. Acredito que pensamos em mais coisas do que imaginamos; não se esqueça do limiar do inconsciente.
Pois então, ia eu dizendo sobre mudança de foco, o que não existe nesse texto, eis que ele não tem foco, portanto, posso falar do que vier à mente. Sendo assim, nesse momento peço vênia para invocar as sábias palavras do saudoso professor Vasconcelos Noronha que, em ensaio genial batizado de ‘O Sonho da Mariposa’, disse:
‘No plano filosófico, se fizermos uma afirmativa geral absoluta, embora pareça paradoxal, necessariamente devemos aceitar a recíproca, isto é, uma negativa geral e absoluta correspondente. Se dissermos que todos são senhores, logicamente ninguém será senhor.’
Com isso, que acredito dar total sentido ao que escrevi, ou acaba por retirar por completo qualquer possibilidade de inteligência do texto, dou por obstado o escrito, mas continuarei a pensar...
Um comentário:
Sensacional!
Genial!!
No início, uma introdução literária romântica sobre o pensamento em abstrato. Seguido de uma insensível mutação temática, em que se ela o pensamento com a democracia.
Após, está exposta a sua principal idéia (aliás, excelente!), concluída com a citação de Vasconcelos Noronha, que anula qualquer valor, devaloriza tudo, valoriza tudo isonomicamente: tanto faz.
Sugere-se, por isso, que a democracia, entendida como algo que foi fruto do pensamento de algum(ns) ser(es) humano(s), foi tão largamente aderida, de modo que não restou espaço para o autoritarismo. Situação incompatível com o plano filosófico em que ambos os sistemas foram concebidos. Resultando daí que tanto um quanto outro têm suas razões de ser: devendo, portanto, coexistirem.
Eis que a conclusão remete ao TÓPICO em que tudo se situa, que é o PENSAMENTO: criador e extintor de tudo. Irrestrito e não focalizável.
Magnífico!
Eu diria: Esplêndido!
Parabéns.
Abraço brother!
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